quinta-feira, 12 de março de 2009

Eu me auto-excomungo


Eu me auto-excomungo

Fernando Farias *

Está cada vez mais difícil ser escritor. Escrever contos e ficção com criatividade. Pensei até em me dedicar ao realismo fantástico, com histórias surrealistas e bizarras, beirando o mistério e o horror. Acho que fracassei. Explico. A realidade está cada vez mais absurda e é difícil competir com as noticias nos jornais.
Pensei em escrever um conto assim. Começa com o parto numa maternidade pública numa cidadezinha no interior do estado. Uma criança de nove anos dando luz a gêmeos. Ela foi estuprada e sobrevive ao parto e agora terá que criar as duas crianças. Mesmo traumatizada pelo estupro e pela dor do parto, vai ter que ser mãe e ver, todos os dias, os filhos como uma punição ao pecado. O estuprador vai preso, mas tempos depois é solto por bom comportamento e bons advogados católicos. E as crianças, as três vítimas, pagam pelo resto da vida pelo crime cometido por um tarado.
Tudo isso porque um bispo e um padre ameaçaram de excomungar os médicos e a mãe da menina e assim impediram o aborto. Por sorte ninguém é excomungado e a história termina com um final feliz, no dia do batizado das crianças com a igreja lotada e o padre orgulhoso de batizar os raquíticos Cosme e Damião. Como os médicos não cometeram o aborto e não foram excomungados, nenhuma planta carnívora os atacou e raios e trovoadas não caíram sobre a maternidade.
Uma cena para encerrar. O bispo feliz lendo a Bíblia, no evangelho São Mateus, onde Deus protege apenas o seu filho Jesus e deixa Rei Herodes comandar a matança de milhares de crianças inocentes, a maior carnificina de crianças da história e só uma criança foi salva por anjos.
Seria uma história besta, comum, sem interesse ao leitor. Não agradaria aos grupos de defesa das mulheres. Acho que se eu descrevesse um conto erótico com a relação incestuosa do padrasto com a menina eu faria sucessos em algumas capelas.
Mas tenho dificuldades em criar coisas assim. É complicado ser criativo como os pedófilos e os bispos. Vou deixar de ser escritor. Eu me auto-excomungo e vou ler apenas jornais.

8 comentários:

sachiko 12 de março de 2009 às 15:45  

Concordo com a excomunhão, mas não deixe de escrever...

Anônimo 12 de março de 2009 às 19:29  

Nossa eu amei seu blog é muito lindo!
Parabéns!
Beijos
Rita

Anônimo 15 de março de 2009 às 07:03  

Muito bom!
Não entendo porque não publicaram... Será que a ficção dói mais que a realidade?

Anônimo 27 de março de 2009 às 10:00  

muito bom fernando, este texto fala bem da nossa realidade trágica...porém prazerosa!
Aprendeu direitinho com Carrero,heim?kkkkkkkk

o seu blog é bom!

Erika 2 de abril de 2009 às 13:11  

E precisa comentar???
Seria um pecado!!
Tudo é tão límpido...e despidamente verdadeiro.

Valeria 23 de novembro de 2009 às 05:04  

Um conto surreal seria a história de uma menina estuprada, cujo aborto fora aceito pela igreja. rsrs
Parabéns pelo blog.
abraço
Valéria

uma leitora 11 de fevereiro de 2010 às 08:50  

Passando pra conhecer teus escritos. Obrigada pela carinhosa visita, Fernando. E volte.

Graça Carpes 19 de fevereiro de 2011 às 06:20  

Há pessoas... Que sabem o que fazem.
Um escritor deve sempre, sabê-lo... É o seu caso.
Prazer imenso em receber suas palavras.
:)

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